segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Trajetória das Constituições ganha análise de historiador

Marco Villa narra a gênese do Estado brasileiro e aponta suas imperfeições

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
Marco Rogerio - 1º.nov.2011/"Jornal 1ª Pagina"

Historiador Marco Villa, que escreveu sobre Constituições
O livro "A História das Constituições brasileiras", de Marco Antonio Villa, vai além do que sugere o título. É um sobrevoo por décadas de descaso com a democracia no Brasil e flertes constantes do poder com o autoritarismo.

Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Villa avisa que a obra "não é mais um livro de direito constitucional". Embora baseado em sólida pesquisa histórica, o texto é uma crônica da vida política do país desde a Independência.

Com um capítulo para cada uma das sete Constituições do Brasil (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) e um para o STF (Supremo Tribunal Federal), o guardião da Carta, o livro é um roteiro da gênese do Estado brasileiro, suas imperfeições e regras que privaram o país de viver em democracia na maior parte de sua história.

Há aspectos anedóticos e bizarros. No Império, o Congresso só se reunia quatro meses por ano. Na Carta de 1934, a xenofobia explícita limitava a entrada de estrangeiros para garantir a "integração étnica" do imigrante.

O Brasil republicano teve vários nomes. Chamou-se "Estados Unidos do Brasil" de 1891 a 1967. Na ditadura militar, foi apenas "Brasil". E só em 1988 passa a ser "República Federativa do Brasil". A história das Constituições ajuda também a identificar como a representação no Congresso foi sendo ampliada e deturpada. Depois do fim do Estado Novo, em 1946 a Carta aumentou de dois para três o número de senadores de cada Estado -e criou o suplente de senador.

Em 1977, a ditadura determinou que cada senador passaria a ter dois suplentes -políticos sem voto que muitas vezes assumem no lugar do titular. Também naquele ano, aumentou-se para seis o número mínimo de deputados por Estado. Em 1988, os constituintes acharam pouco: elevaram esse piso para oito deputados para cada unidade da Federação. Aprofundaram o descaso com uma das regras clássicas da democracia -"um homem, um voto".

Logo após a Independência, o artigo 99 da primeira Constituição estabelecia que "a pessoa do imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma". Marco Villa anota: "Não é acidental que o autoritarismo esteja tão presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário".

Outro traço da cultura política brasileira é uma espécie de autoengano por parte dos que ocupam o poder. Depois do golpe de 1964, os militares eram obcecados por dar um ar de formalidade aos seus atos, "como se a existência de uma norma fosse uma espécie de salvo-conduto".

A mais democrática de todas as Constituições, a de 1988, é também a mais prolixa: 250 artigos e 70 disposições transitórias. Cheio de boas intenções, o texto fica desconectado do mundo real: a palavra "garantia" aparece 46 vezes; "direitos", 16 vezes; e "deveres", apenas 4.

No capítulo sobre o STF, Marco Villa cita casos em que a Corte Constitucional brasileira foi pusilânime e leniente com os ditadores de turno. Na Revolução de 30, "o Supremo estabeleceu o estranho princípio da legitimidade revolucionária". O "legalismo servil" levou os ministros a "lavarem as mãos diante de inúmeros atos e milhares de prisões políticas".

Em 1969, três ministros foram cassados. Só dois se solidarizaram: um renunciou e outro pediu aposentadoria. Os demais silenciaram.

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