segunda-feira, 5 de março de 2012

OUTRO IMPORTANTE INSTRUMENTO DE NOSSA "REPÚBLICA" QUE NÃO FUNCIONA

Difícil até para acompanhar casos

Aline Rebequi
Das dez cidades mais populosas de SC, só uma tem o número suficiente de Conselhos Tutelares. A estrutura é ruim. Em alguns lugares um profissional acompanha 150 denúncias ao mesmo tempo. Em Florianópolis, casos chegam a ficar dois anos parados. O sistema de cadastro quase não é usado porque não há conexão com a internet ou, se existe, ela é muito lenta. Eles são os guardiões dos direitos das crianças e adolescentes e devem trabalhar em regime de plantão 24 horas por dia. Criados em 1990 – e previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –, os conselhos tutelares representam a porta de entrada das denúncias de violência sexual, física e negligência praticadas contra menores de idade. Conforme o ECA, os municípios devem ter, no mínimo, um conselho para cada 100 mil habitantes. Em Santa Catarina, a realidade passa longe desta recomendação.
Levantamento realizado pelo DC mostra que, das 10 cidades mais populosas do Estado, apenas uma estaria perto do ideal. São José, na Grande Florianópolis, tem 209.804 habitantes (Censo 2010) e dois conselhos tutelares. A cidade mais populosa de Santa Catarina está na pior colocação. Joinville tem 515.288 moradores e conta com apenas dois conselhos. Pela recomendação, deveria ter mais três.
As cidades de Florianópolis e Blumenau também precisariam ampliar a rede de atendimento pelo que prevê o ECA. Ao atingir 400 mil moradores, a capital já deveria constituir um quarto conselho.
Mas o número de conselhos tutelares não é o único problema da rede de atendimento aos menores vítimas de violência. Nas cidades pesquisadas, conselheiros tutelares reclamam das condições de trabalho. As queixas vão desde a falta de um ventilador para as salas de atendimento até a inexistência de veículos e funcionários.
Em Florianópolis, onde foram registrados 649 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em 2010 (média de quase dois casos por dia), a remuneração dos conselheiros será o foco de uma reinvindicação que deverá paralisar parcialmente os serviços nos dias 8 e 9 de março, próximas quinta e sexta-feiras. Nestes dois dias, os 15 conselheiros da cidade atenderão apenas casos de emergência. Segundo as equipes, o piso de R$ 1.564,39 seria um dos menores do Estado.
- Estamos estudando a possibilidade de abrir um quarto conselho no Sul da Ilha, mas não temos nenhuma previsão. Quanto ao piso, dou meu aval, mas quem decide é o prefeito - diz o secretário municipal de Assistência Social, Felipe Teixeira.

Dificuldade até para registrar os dados
Entre os entraves estruturais dos conselhos do Estado está a dificuldade em formar estatísticas. O DC solicitou, às 10 cidades pesquisadas, números de registros de violência sexual cometidos contra menores de idade. Mas apenas três têm os dados contabilizados. O processo é lento. Florianópolis, por exemplo, ainda não fechou os números referentes ao ano passado e se baseia nos registros de 2010.
Esta é mais uma recomendação do ECA deixada de lado no Estado. Conforme o estatuto, todos os conselhos tutelares deveriam utilizar o Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia) para registro de dados. Em SC, menos da metade das 10 cidades mais populosas utiliza o sistema web.
- Há conselhos que não têm sequer internet. Os que têm são lentos demais. Demoramos até meia hora para registrar apenas um caso - conta a conselheira tutelar de Florianópolis Julieta Arruda.
Joinville, a cidade mais populosa de SC, é uma das que mais sofrem com o déficit no atendimento do conselho tutelar. Hoje, a demanda do atendimento é muito maior do que o número de profissionais. Joinville, que já tem 515 mil moradores, tem apenas dois: o Norte e o Sul. Questões relativas a negligência são maioria. A coordenadora Cláudia Cardoso Molina diz que, hoje, cada um dos cinco conselheiros da unidade atende pelo menos 150 casos ao mesmo tempo.
- Nós tentamos viabilizar o máximo. Acontece de atrasar pelo acúmulo de trabalho.
A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Joinville, Daiana Delamar Agostinho, diz estar ciente do problema e ter recebido um documento dos conselhos tutelares de Joinville sobre a situação.
- Nós queremos a criação de pelo menos mais dois conselhos em Joinville, provavelmente para dividirmos também nas regiões Leste e Oeste.
Para dar maior embasamento ao pedido, está sendo montado um dossiê, que será apresentado à Câmara de Vereadores, ao Ministério Público e à prefeitura.
- Hoje temos 10 conselheiros para atender toda a cidade. Precisaríamos, no mínimo, dobrar este número – afirma a presidente.

Capital tem que acabar com a espera
Criado em 1990 para dar continuidade ao atendimento dos casos de violência contra crianças e adolescentes, o Programa Sentinela vive um de seus piores momentos. Uma liminar concedida em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) determinou que o município de Florianópolis acabe com a fila de espera até o final deste ano. A liminar obriga a prefeitura a criar um cronograma para eliminar a fila - que hoje chega a 918 vítimas – até 31 de dezembro de 2012. De acordo com a promotora Cristiane Rosália Maestri Böell, o tempo médio de espera por um atendimento é de dois anos, situação que se tornou intolerável.
– Em novembro de 2011, eram quase mil casos de crianças e adolescentes expostos a negligência, violência física e violência sexual sem qualquer atendimento psicossocial pelo programa - diz a promotora.
O objetivo da ação, segundo Cristiane, é exigir judicialmente a contratação de profissionais e o aparelhamento do Sentinela. Segundo levantamento do MPSC, em novembro de 2011, eram oito equipes com capacidade de trabalho para diagnosticar 94 casos e prestar atendimento psicossocial em 109 famílias num período de dois anos.
- Com a carência de recursos humanos e precariedade material, os casos encaminhados pelos conselhos tutelares não são imediatamente diagnosticados e, após até anos de espera, há mais um longo período aguardando para inclusão nos atendimentos de acompanhamento - afirma a procuradora.
O prazo para entregar o cronograma se encerrou em 28 de fevereiro. A multa diária para descumprimento é de cem salários mínimos. O secretário de Assistência Social de Florianópolis, Felipe Teixeira, disse que o cronograma foi concluído, mas não sabe informar se foi encaminhado.
- Planejamos contratar funcionários terceirizados e rever o método de trabalhos das equipes para agilizar o atendimento. Mesmo assim, as filas sempre existirão, pois a demanda aumenta todos os dias - diz.

Única saída para o acompanhamento
A coordenadora do programa Sentinela, Sandra Coimbra, confirma que o serviço é hoje a única alternativa de atendimento das crianças e adolescentes vítimas de violência.
Nos conselhos, uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e pedagogos tem seis meses para realizar o diagnóstico do caso. Esta é a fase em que a equipe precisa identificar se houve ou não a violência contra a vítima (quando não há exames que comprovem o fato ou marcas visíveis pelo corpo).
Se comprovada a violência, aí vem a fase do acompanhamento, quando a equipe define quais as estratégias para deixar a criança ou o adolescente em segurança. (pgs 30 e 31)
(05/03/2012)
 
FONTE: RESENHA DIÁRIA SITE DO TJSC

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