quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Magnífica opinião de ROBERTO DAMATTA

De quando em vez ouvimos vozes que não pensam a vida como uma linha reta a evolver em direção ao Céu dos santos ou para o Norte do progresso que vai resolver todas as injustiças sociais, curar todas as doenças e nos livrar dos incômodos do acaso (com suas contramarchas e arrependimentos) e da finitude (com sua falta de tempo para pedir perdão ou dizer adeus). Num artigo publicado no Globo dia 29 de julho último, a jornalista Gail Scriven descobre que este é "O ano que ficamos vulneráveis". E arrola, com aquela memória que eu tanto invejo nos jornalistas profissionais, os fatos que testemunham a vulnerabilidade que a tecnologia, a brutal exploração da natureza e dos outros escondem cada vez menos de todos nós. Pois, confiantes na superioridade do canhão e do arcabuz, matamos índios e transformamos seus arcos e flechas em peças de museu; certos de que o automóvel era melhor do que a carroça, inventamos esses monstros de 300 cavalos - os tais automóveis - que hoje promovem centenas de milhares de mortes no Brasil. Não satisfeitos, idealizamos a indústria baseada na exploração de um planeta lido como infinito em recursos "naturais". Agora, mordendo o nosso próprio rabo, colhemos o fruto de um individualismo sem peias. Uma autoindulgência que revela as vulnerabilidades, porque deixa ver os erros e as injustiças entre os povos e, muito pior quer isso, a contradição entre princípios éticos. Pois, como conciliar a globalização que produz trocas e interdependência com velhos nacionalismos e fronteiras baseadas na ideia de povo eleito, superioridade racial e supremacia moral?

Como aceitar passivamente esses índices instituídos pelo triunfo da economia como uma "ciência" e das finanças como realidade dominante? No dia em que Obama se rebelou contra a agência americana que rebaixou os Estados Unidos, relativizando um princípio que sua cultura estabeleceu como dogma, ele virou Lula. E no dia em que Lula abraçou a "herança maldita do Plano Real" - criando as bases para o neoliberalismo brasileiro (farto em falcatruas) -, ele foi um presidente ianque.
Um mundo interligado é um mundo de goteiras e vazamentos. Nele, tudo muda de posição. Até a sexualidade e a fé se transformam. A solidão que era o centro de um tipo que os sociólogos clássicos leram como excepcional - o renunciante do mundo: o santo e o profeta que se afastavam da sociedade - foi, como o masculino e o feminino, o velho e o jovem, o certo e o errado, relativizada pela internet. Com os computadores, São Paulo Apóstolo enviaria suas epístolas por e-mail e teria um site; já Schopenhauer não gozaria daquela solidão essencial para a suspensão do véu de Maia - o véu na nossa própria ignorância sobre o que somos, criamos e escrevemos, mas iria resmungar de todos e com todos on-line.

Quer ler a íntegra? Acesse http://www.retiadvogados.adv.br/ (fonte: Estadão de hoje)

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