sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

JESUS ERA PERIPATÉTICO - (Max Geringher)

Numa  das  empresas  em  que  trabalhei,  eu  fazia  parte  de  um grupo de treinadores voluntários.
Éramos  coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e tínhamos até um lema:
"Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem me recordo, de  uma  literatura  do Senai). Um dia, nos reunimos para discutir a melhor forma  de  ministrar  um curso para cerca de 200 funcionários. Estava claro que  o  método  convencional:  botar  todo  mundo  numa sala, não iria funcionar,  já  que  o  professor  insistia  na  necessidade  da interação, impraticável  com  um  público daquele tamanho.
Como sempre acontece nessas reuniões,  a  imaginação  voou longe do objetivo, até que, lá pelas tantas, uma  colega  propôs  usarmos  um  trecho do Sermão da Montanha como tema do evento.
E  o  professor,  que  até  ali  estava  meio quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou alto: 
- Jesus era peripatético...
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a afronta, dona Dirce, a secretária,  interrompeu a reunião para dizer que o gerente de RH precisava falar  urgentemente  com  o  professor.  E lá se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
- Não  sei  vocês,  mas  eu achei esse comentário de extremo mau gosto, disse a Laura. 
- Eu  nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo, emendou o Jorge,  para  acrescentar  que  estava  chocado, no que foi amparado por um silêncio geral.
- Talvez  o  professor  não  queira  misturar religião com treinamento, ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos.
- Mas eu até vejo uma razão para isso...
-Que é isso, Sales? Que razão? 
-Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
-Não diga!
-Digo.  Quer  dizer,  é  um  direito  dele.  Mas  daí  a  desrespeitar a religiosidade alheia...
Cheios  de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e, quando já estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas nem percebeu a hostilidade. Já entrou falando:
-Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas e colocar umas  20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador teria de repetir a  mesma  apresentação  várias vezes, mas... Por que vocês estão me olhando desse jeito?
-Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de peripatético, veja bem... 
-Certo!  Foi  daí  que  me  veio  a idéia. Jesus se locomovia para fazer pregações,  como  os  filósofos gregos também faziam, ao orientar seus discípulos.
Mas Jesus foi o Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar o Sermão da Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral e o deslocamento físico...  Mas  que  cara  é  essa?
- Peripatético  quer dizer "o que ensina caminhando". 
E  nós ali, encolhidos de vergonha. Bastaria um de nós ter tido a humildade de  confessar  que  desconhecia a palavra que o resto concordaria e tudo se resolveria  com  uma simples ida ao dicionário. Isto é, para poder ensinar, antes era preciso aprender. Finalmente,
aprendemos.
Duas coisas.
A primeira é: o fato de todos estarem de acordo não transforma o  falso  em verdadeiro.
E  a  segunda é: que a sabedoria tende a provocar discórdias.
Mas a ignorância é quase sempre unânime. 

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